Fotografia e Gastronomia

O que faz um fotografo se especializar?

Tenho escrito aqui semanalmente sobre assuntos ligados à cozinha e aos restaurantes. Hoje eu decidi falar um pouco sobre minha profissão do fotógrafo.

A minha reflexão é sobre a fotografia especializada. O que vem a ser um fotógrafo especializado em alimentação, como eu? Certamente um sujeito diferente de um fotógrafo de moda e semelhante a um fotógrafo de produtos. Os objetos que chegam para nós são bem semelhantes como um queijo, um prato de macarrão, um computador ou um aspirador de pó.

São objetos inanimados que precisam de uma luz e ambientação correta para que passem um desejo de posse a quem vai comprar. Com a comida o desejo de posse é transferido para o desejo de comer e de experimentar, conhecido como “appetite appeal” ou a já conhecida vontade de comer ou água na boca.

O que faz um fotógrafo se especializar? Observando outros fotógrafos vi que a especialização normalmente não é um desejo, é uma coisa que a gente descobre que virou depois que têm sucesso em um determinado tipo de trabalho, aparece outro semelhante, depois outro até o momento que atendemos só um segmento de mercado.

Isso não que dizer que o fotógrafo especializado não sabe fazer outro tipo de foto, mas ele fotografa dentro da sua área de atuação com muita desenvoltura. No primeiro momento minha carreira profissional foi com arquitetura, decoração e produtos em estúdio. A indústria de informática vinha à toda e computadores entravam e saiam do estúdio quase que diariamente. De repente este mercado começou a minguar e os clientes de comida começaram a aparecer. Fazia do jeito que achava bom e foi um sucesso. Acabou que cada vez mais fotos do mercado de alimentação foram aparecendo e me tornei um especialista em comida.

No começo tive que aprender muita coisa sobre o assunto para poder conversar e saber o que o meu cliente precisava. Outra variável é o chef, profissional que sabe tudo dos preparos e nada de fotografia. Tive que aprender a tratar com ele. E, finalmente, a produção que precisa estar de acordo com a comida e qual será a utilização da foto.

Todos aprendiam uns com os outros. É um trabalho em que a equipe tem que estar bem integrada para que o trabalho saia de acordo com o desejo do cliente. Neste trabalho consideramos desde tendências gastronômicas, até de cores para ambientação. Este tipo de coisa pode ser muito útil para revistas ou campanhas de curta duração. Para uma embalagem a foto tem que ser mais conservadora, pois esta embalagem será vista por vários anos sem   parecer uma foto datada.

Não quero dizer que a técnica seja desprezível. Um fotógrafo de joias domina a forma de atenuar ou ressaltar os reflexos como poucos, afinal ele faz isto com muita frequência. Isto não quer dizer que ele não saiba fotografar os ambientes e o retrato do dono da joalheria.

Apesar de especializados, nós fotógrafos, temos que ser muito flexíveis, também.

O curador françês

Numa noite chuvosa em Porto Alegre, participei de uma mesa redonda com fotógrafos gaúchos, mediada por um curador francês. Mal eu chego no auditório descubro se tratar de François Barré, entre outras coisa ex diretor do Centro Georges Pompidou em Paris e diretor geral do Encontro de fotografia de Arles, na França, referência para todos os fotógrafos artistas do mundo.

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Na ocasião mostrei algumas fotos da minha série Alma Descarnada, que estava desenvolvendo para uma exposição em Porto Alegre. François Barré, para minha surpresa, parece que ficou impressionado com o meu trabalho. Quase não acreditei quando após o debate ele veio em minha direção com um cartão de visitas na mão pedir se eu podia lhe enviar uma ampliação para aquele endereço. Em troca veio uma belíssima apresentação para a minha exposição.

Poucos meses atrás tive a oportunidade de mostrar parte da Exposição Alma Descarnada em São Paulo. Na ocasião a galeria distribui para a imprensa um press release onde constava anexo esta apresentação feita por Barré. Como foi bom reencontrar com ela! É um texto curto, preciso e direto. Vale a leitura.

O Chef da Fotografia

Encontrei com o fotógrafo Mauro Holanda em Porto Alegre, Brasil, há alguns meses e descobri a qualidade e a força de um criador que concretiza uma obra envolvente. Esses corpos suspensos do tempo numa eternidade curta de decomposição e de estupor, perdidos em meio ao nada, ainda coesos em sua integralidade de superficie, de pele, ou já desmembrados ; a esses corpos desviados e escondidos do seu tempo da liberdade de vôo e do frescor do ar da manhã, Mauro Holanda concede-lhes uma nova realidade e os sacraliza pela magia da Arte.

Habituado às imagens de imprensa que acompanham as receitas e os segredos da gastronomia, o fotógrafo as entreviu de maneira diversa entre as inumeráveis fotografias produzidas, cenarizadas, montadas, daqueles que foram destituídos de penas e de peles para a comodidade da atividade em cozinha, pela preparação dos pedaços e dos cozidos.  Nesse canteiro de carnes e de plumas pelo qual todos passam sem sequer olhar, como se fosse o espaço rotineiro das agitações do trabalho, ele captou subitamente a expressão trágica da vida reanimada dentro da objetividade da morte, um aspecto novo de uma memória dissipada da carne ainda fremente, de seus sobressaltos e de seus prazeres. Colocados, sem pose e sem artifícios, esses corpos silenciosos nos apontam e nos informam o nosso destino.        François Barré

Neste momento uma foto desta série faz parte da exposição Comida em foco no piso térreo do Shopping Market Place. Quem quiser ver toda exposição pode acessar em www.mauroholanda.com.br .

O MACARRÃO DO EDUARDO

Nada como uma arrumação nas prateleiras para lembrar de coisas esquecidas há algum tempo.

Apareceu nas minhas mãos um exemplar da Revista Gourmet de Julho de 1984. Na capa a chamada é: Recarey: dono da noite carioca. A foto mostra o espanhol Francisco Recarey em frente ao letreiro do Scala, uma de suas 22 casas entre restaurantes, pizzarias, bares, gafieiras, etc . Alguém lembra dele? Pois é, o tempo passou e o rei da noite sumiu das notícias.Massa Fresca

Mas o assunto hoje é que esta revista traz minha estreia na fotografia de gastronomia. Naquela ocasião eu era um fotógrafo iniciante que fazia fotos de decoração para a revista Casa Vogue, da mesma editora da Revista Gourmet. Graças a um contratempo de um fotógrafo, fui convocado para fotografar uma pequena rostisseria, a Due Maestá, nos Jardins.

Muito inseguro, coloquei um monte de equipamento no meu Fusca e lá fui eu. O lugar era uma pequena casa numa ladeira íngreme. Naquela ocasião, um monte de equipamento era, um monte de coisas, mesmo! Depois de desembarcar toda a tralha encontro com um sujeito mais ou menos da minha idade, o Eduardo, com sua mãe atrás do balcão. Era uma típica rostisseria familiar.

Olhei para a loja e achei que tinha quebrado a cara, diante de um lugar sem graça, cheio de balcões refrigerados. A coisa começa a mudar quando pergunto ao Eduardo o que há atrás daquela portinha no cantinho. Ele me responde que não é nada, só a salinha onde ele seca e guarda as massas prontas.

Quando a porta é aberta me deu um baita alívio. Era um lugar deslumbrante. Bastou empurrar umas caixas para cá e para lá, arrumar um pouquinho as coisas e trazer os queijos que o lugar estava prontinho.

Ai só escolher o filme adequado colocar a câmera no tripé, selecionar uma lente, posicionar as luzes e pronto.

Assim foi feita a minha primeira foto de comida.

Feita a foto levei uma bandeja de macarrão para casa. Foi uma farra. O macarrão era fabuloso. Fui cliente do Eduardo por anos.

Hoje a Due Maestá continua nos Jardins em outro endereço mais confortável. Faz anos que não tenho notícias do Eduardo, espero que ele esteja bem.