O REI DO AÇOUGUE


O filé mignon, tenro e suculento, é talvez o mais valorizado dos cortes da carne bovina no Brasil e no mundo.
Na Idade Média já era o pedaço preferido da nobreza e do clero. Era servido em ocasiões especiais, visto que só uma pequena parte da população tinha acesso à carne e uma parcela menor ainda à bovina.
Agora já dá para imaginar quantas pessoas tinham o privilégio de comer estes quase 3% do peso boi.
Imagine só o povão que tinha que se virar com legumes, verduras, cogumelos e às vezes com alguma caça. De vez em quando saia um javali, uma galinha ou quem sabe até um peixinho se ali por perto corresse um rio ou se a turma morasse à beira do mar.
A cozinha clássica francesa valoriza muito este pedaço de carne.
Já no séc. XVIII o chef Antonin Carême coroou um generoso pedaço de filé com um belo pedaço de foie gras e o batizou como Tournedos Rossini homenageando o compositor italiano.
A cozinha francesa convive com clássicos como steak tartare, filet au poivre ou filet ao molho mostarda, só para citar uns poucos.

Até o heroi inglês que derrotou Napoleão em Waterloo, o duque de Wellington, ganhou uma homenagem com a versão britânica do filet en croute francês: o bife Wellington, prato tipicamente francês com foie gras e massa folhada.
O filet mignon é tratado como carne chique e cara. Basta reparar no povo que trata tudo de bom e inalcançável como filé. Valendo de mulheres bonitas até para serviços bem executados e automóveis.

Agora a turma da cozinha está conseguindo acabar com o reinado do filé mignon, tanto no preço quanto na quantidade de pratos oferecidos no cardápio. O corte passou a ser tratado como carne sem gosto e caráter.
Já vai longe o tempo que o açogueiro Marcos Bassi vaticinava aos quatro ventos: “Não existe carne de segunda, existe sim, boi de segunda”.

As carnes do churrasco sairam da churrasqueira indo para as cozinhas estreladas na cidade. Comer filé mignon hoje é mais jeca que pedir um acém, corte que anos atrás brilhava nas sopas e picadinhos nas casas do povo mais pobre.
Hoje reinam o contrafilé sob os nomes de bife ancho ou bife de chorizo e até a picanha entra nos pratos com delicados cozimentos.

O maior problema é quando o freguês resolve pedir um pedaço destes cortes bem passado.
Não há quem consiga mastigar uma picanha bem passada, por exemplo. Mas a pose permanece.

Agora o de primeira é comer carne de segunda e ser de segunda é comer carne de primeira.