Artigos do Autor: Mauro Holanda

O que faz um fotografo se especializar?

Tenho escrito aqui semanalmente sobre assuntos ligados à cozinha e aos restaurantes. Hoje eu decidi falar um pouco sobre minha profissão do fotógrafo.

A minha reflexão é sobre a fotografia especializada. O que vem a ser um fotógrafo especializado em alimentação, como eu? Certamente um sujeito diferente de um fotógrafo de moda e semelhante a um fotógrafo de produtos. Os objetos que chegam para nós são bem semelhantes como um queijo, um prato de macarrão, um computador ou um aspirador de pó.

São objetos inanimados que precisam de uma luz e ambientação correta para que passem um desejo de posse a quem vai comprar. Com a comida o desejo de posse é transferido para o desejo de comer e de experimentar, conhecido como “appetite appeal” ou a já conhecida vontade de comer ou água na boca.

O que faz um fotógrafo se especializar? Observando outros fotógrafos vi que a especialização normalmente não é um desejo, é uma coisa que a gente descobre que virou depois que têm sucesso em um determinado tipo de trabalho, aparece outro semelhante, depois outro até o momento que atendemos só um segmento de mercado.

Isso não que dizer que o fotógrafo especializado não sabe fazer outro tipo de foto, mas ele fotografa dentro da sua área de atuação com muita desenvoltura. No primeiro momento minha carreira profissional foi com arquitetura, decoração e produtos em estúdio. A indústria de informática vinha à toda e computadores entravam e saiam do estúdio quase que diariamente. De repente este mercado começou a minguar e os clientes de comida começaram a aparecer. Fazia do jeito que achava bom e foi um sucesso. Acabou que cada vez mais fotos do mercado de alimentação foram aparecendo e me tornei um especialista em comida.

No começo tive que aprender muita coisa sobre o assunto para poder conversar e saber o que o meu cliente precisava. Outra variável é o chef, profissional que sabe tudo dos preparos e nada de fotografia. Tive que aprender a tratar com ele. E, finalmente, a produção que precisa estar de acordo com a comida e qual será a utilização da foto.

Todos aprendiam uns com os outros. É um trabalho em que a equipe tem que estar bem integrada para que o trabalho saia de acordo com o desejo do cliente. Neste trabalho consideramos desde tendências gastronômicas, até de cores para ambientação. Este tipo de coisa pode ser muito útil para revistas ou campanhas de curta duração. Para uma embalagem a foto tem que ser mais conservadora, pois esta embalagem será vista por vários anos sem   parecer uma foto datada.

Não quero dizer que a técnica seja desprezível. Um fotógrafo de joias domina a forma de atenuar ou ressaltar os reflexos como poucos, afinal ele faz isto com muita frequência. Isto não quer dizer que ele não saiba fotografar os ambientes e o retrato do dono da joalheria.

Apesar de especializados, nós fotógrafos, temos que ser muito flexíveis, também.

Uma nova Cozinha?

Sushi de Papada de Porco

Teremos novidades?

Hoje o Brasil não é mais um país periférico na gastronomia mundial, inclusive já temos chefs com projeção internacional graças à originalidade de suas cozinhas.

Nos últimos anos, devido à circulação mais fácil de informações e ao desgaste do modelo da fusion Cuisine (os tradicionalistas a tratavam com confusion cuisine) e posteriormente da cozinha criada por Ferran Adriá, os chefes do mundo inteiro começaram a procurar outros rumos.

Estas tendências deixaram fortes marcas na gastronomia atual. Passamos a ver desde chefs que só usam produtos originários de uma determinada distância de seus restaurantes, os que se dedicam primordialmente a um ingrediente e até aqueles que coletam os ingredientes nas matas e bosques nas proximidades de seus restaurantes.
               Durante este tempo começou a surgir uma nova cozinha brasileira onde receitas tradicionais usam técnicas mais avançadas ou retiradas das tradicionais técnicas culinárias da Europa, oriente, América do Sul e até das nossas tribos indígenas.

A imagem que ilustra este texto é uma clara demonstração da cozinha de fusão com técnicas estrangeiras e ingredientes nacionais ou banais como o arroz, a alga japonesa, a barriga do porco e o tucupi preto. Tudo junto formando um delicioso sushi de barriga de porco com tucupi preto substituindo o shoyo. O chef Jefferson Rueda usa espumas, cozimento em baixa temperatura entre outras técnicas em seu restaurante de inspiração caipira em São Paulo.
              Todo este caldeirão de influências está ajudando a formar a nova cozinha brasileira, decolada da cozinha tradicional.
               Existem aqueles que fazem questão de preservar e defender  as tradições e os produtos locais. As moquecas, bistequinhas, tutus, bobós, não vão sumir, só trocarão de categoria.
Pela primeira vez vamos ter 2 cozinhas brasileiras: a gastronômica, ou sei lá como será designada, e a tradicional ou regional.Acredito que pela primeira vez estamos começando a ver chefs tratando ingredientes banais em sua região de origem só como ingredientes. O tucupi é só tucupi, não mais um ingrediente especialíssimo vindo do Pará, assim como a ora pro-nóbis vem perdendo o seu status de Panc para virar um ingrediente comum como o é em Minas Gerais.

Os mais famosos chefs do mundo, dedicam parte considerável do seu tempo em viagens internacionais, seja para dar palestras, participar de jantares, eventos os só de estudos para conhecer uma cozinha local da qual têm curiosidade.

Assim que voltam reassumem suas cozinhas em um ritmo frenético.

Com este período parado seja na cidade onde moram, em sítios ou suas cidades de origem surgiu um tempo para processar toda esta informação e observar mais a comida local e caseira que estão consumindo. Espero que tenhamos muitas mudanças na nossa cozinha.

Ensinando fotografia

AS FOTOS QUE ILUSTRAM ESTE POST FORAM FEITAS PELOS PARTICIPANTES DO WORKSHOP COM SEUS CELULARES
Ontem aconteceu mais um workshop de fotografia gastronômica.
Desta vez foi no Restaurante Friccò, do chef Sauro Scarabotta.
Sauro ensinou tudo sobre sua arte, a salumeria artesanal.
Falei sobre a fotografia, e mostrei que é possível fazer boas fotos com seus celulares usando os recursos do aparelho.
Mostrei conceitos básicos como a direção da luz, e sobre a importância do enquadramento, entre outros conceitos que são fundamentais na fotografia que nós fotógrafos profissionais usamos sempre.

Ontem os participantes descobriram como transformar o alimento em objeto fotográfico, tendo como foco a salumeria, e a comida italiana.

É muito legal observar a reação dos participantes com a diferença das suas fotos no inicio da aula e como conseguem fazer fotos melhores no final do evento após aprenderem o ângulo certo para valorizar o alimento, utilizar diferentes fundos, uso de utensílios, e cenografia com temperos etc .
A foto deve contar uma historia. Estas, foram feitas durante o delicioso almoço que o chef preparou, e nos contou sobre os ingredientes usados, e outras historias, fazendo com que as imagens tivessem significado, dando vontade de participar para quem ve as fotografias.

O tema do próximo workshop será Feijoada e petiscos de boteco.
O grande desafio será fazer boas foto de petiscos, feijoada e caipirinha. Vamos aproveitar a iluminada varanda do Paribar com a vista para a deliciosa e arborizada praça dom Jose Gaspar. Será um almoço delicioso
O evento acontecerá dia 26 de Maio
Preste atenção no Facebook e Instagram nesta semana ou entre em contato através de mauro@mauroholanda.com.br.

A PAREDE DE FELLINI


Ontem fui fotografar na Tratoria Mellão, do meu amigo Hamilton Mellão. Fazia algum tempo que não o encontrava. Além de um enorme prazer em encontra-lo, estar naquele templo ao cineasta Federico Fellini é muito bom. Ali até paredes são forradas com desenhos do Italiano, fotos e cartazes dos seus filmes.
Aliás, desde que o conheci há muitos anos atrás, já era fanático pelo diretor de cinema. Sua pequena rostisserie e masseria no bairro Pinheiros se chamava I Vitelloni em homenagem ao filme.
Dos fundos da loja saiam massas de todas as cores, tingidas com cenoura, beterraba, espinafre, etc. Na loja uma grande prateleira ocupava toda sua parede esquerda cheia de livros e publicações para quem quisesse consultar. Muitos, inclusive eu, aprenderam as bases da gastronomia lendo da biblioteca do Mellão.
Trabalhamos muitas vezes juntos para a Revista Gourmet, a mais importante revista de cozinha e a única revista dedicada à nascente Gastronomia do país na época. Era divertidíssimo. Ele nunca se conformava com o convencional, precisava inventar.
A carreira do chef começou no curso de cozinheiro no Senac, passou pelo Massimo Ferrari, um grande privilégio, depois foi trabalhar com Leo Filho no recém-inaugurado Maksoud Plaza.
Em 1992 passou para o outro lado da rua e numa travessinha abriu a Pizzaria I Vitelloni. Lugar mínimo, que depois adicionou o imóvel ao lado para virar muito pequeno. Era um lugar onde conviviam uma grande bandeira do Palmeiras e dois grandes quadros, um de uma mulher pelada deitada em um divã comendo pizza e outro de um navio com casco preto navegando como nos filmes de Fellini.
Mellão tinha pizzas Marguerita, calabresa, etc, mas o bom lá eram as misturas inusitadas que saiam da cabeça do agora Pizzaiolo. Ele tem coragem mesmo. Suas pizzas tinham, abobrinhas, aspardos e até tomate seco, iguaria na época. Foi nesta pequena pizzaria que foi criada a pizza de rúcula com tomate seco, hoje muito popular e espalhada por todo o país.
O projeto do “Mellão cuccina d’autore” durou pouco, mas deixou boas lembranças para muita gente. O cardápio mudava diariamente de acordo com o que tinha no mercado, basicamente o de Pinheiros. Era incrível. Mellão sempre foi atrevido. Teve um momento que quem tocava a cozinha era o Luigi Tartari, o chef italiano mais importante da época.
Hoje Mellão mantém um pequeno restaurante no Itaim que carrega seu nome. A comida é clássica e impecável com inovações aqui e ali. Uma grande experiência passar um tempo por lá.

Vamos Comer um imaterial?

Virado à Paulista Brar da Dona Onça

Esta semana viralizou na internet através das redes sociais o bordão: hoje bati um prato do patrimônio imaterial.
Ué, a comida não é material, principalmente uma bomba calórica como o virado à paulista?
Este caso do tombamento do virado à paulista pegou todo mundo de surpresa. Era um assunto que poucos falavam e quem conhecia este assunto não o levava a sério.
Acho bacana esta coisa de levantar a bola do virado, típico prato de boteco. Virado que é virado tem todas as qualidades e os defeitos dos pratos de balcão de bar, onde tudo é mais ou menos.
Pouquíssimos restaurantes na cidade fazem um virado de respeito. No geral ele é meio gourmetizado e cheio de onda. O virado tem que ser selvagem com muita comida no prato e uma bela bisteca frita. Acompanhamento é cerveja, aquela comum mesmo, não vinho tinto que a garrafa custa quatro vezes o valor do prato.
Bem imaterial que se preze tem que considerar o entorno. Imagina um virado gourmet servido em um restaurante de luxo com talheres de prata, toalha e guardanapos impecavelmente passados e dobrados com um garçom colado à sua mesa?
Não há rango imaterial que resista a este bombardeio de rapapés.
Aliás, qual a razão de tombar um prato de comida? Ele só existe enquanto as pessoas quiserem comê-lo. Não vai ser um tombamento que fará as pessoas comerem mais este ou aquele prato.
Este assunto quem decide é a população. Se a turma resolver que fazer moqueca em panela de pedra é melhor, o que vai acontecer com as paneleiras de Goiabeiras, bem tombado pelo Iphan?
Para que tombar um prato de comida?
Acho que bastaria incentivar o estudo aprofundado desta comida para registrá-la como é hoje. Existem acadêmicos e curiosos estudando a nossa comida popular em todo Brasil. As pesquisas vão de comidas indígenas, até cozinha caipira em São Paulo, passando por toda sorte de comida e costumes alimentares.
Seria mais produtivo que nossos governos (municipal, estadual ou federal) incentivassem estas pesquisas e a publicação de livros sobre estes assuntos em vez de se preocupar com tombamentos promocionais.
Certamente em algum momento todas estas técnicas ou costumes vão morrer, tombadas ou não. Então, é melhor que sejam registradas agora em vez de somente
festejadas com tombamentos.

Mais um Ranking para acompanhar?

Claudia Cozinha Edição 36
Receber Cultural – Suiça
Casa de Rosalie Haefeli
Socia do restaurante Florina em São Paulo
[#Beginning of Shooting Data Section]
Nikon D100
2005/07/15 11:23:51.1
RAW (12-bit)
Image Size: Large (3008 x 2000)
Lens: 12-24mm f/4-4 G
Focal Length: 12mm
Exposure Mode: Shutter Priority
Metering Mode: Multi-Pattern
1/1.5 sec – f/13
Exposure Comp.: 0 EV
Sensitivity: ISO 200
White Balance: Cloudy
AF Mode: AF-S
Tone Comp: Normal
Flash Sync Mode: Not Attached
Color Mode: Mode II (Adobe RGB)
Hue Adjustment: 0°
Sharpening: Normal
Noise Reduction: OFF
Image Comment:
[#End of Shooting Data Section]

Uma semana atrás, o caderno Paladar do Estadão, publicava mais uma vez o ranking da Cúpula da cachaça.
A cúpula é formada por um grupo de escolhidos que determina, anualmente, quais são as melhores 50 cachaças do pais, de um universo de milhares.
Feita a primeira seleção com votos populares parte-se para degustação de especialistas.
Este ranking vem evoluindo, tanto que este ano resolveu-se dividir entre cachaças brancas e amarelas. Decisão sábia, diga-se.
O que eu não entendi foi como esta lista é tão instável.
Ou os produtores mudaram muito o sabor de suas bebidas ou mudou o paladar dos degustadores (praticamente os mesmos) no período de um ano.
Como pode a primeira colocada do ano passado (Porto Morretes Premium) cair direto para o 27º posto enquanto a Vale Verde 12 anos Subiu de uma vez 12 posições para atingir o primeiro posto.
Isto, sem contar que a surpresa do ano passado ( Reserva 51) com o 5º lugar nem consta da lista das melhores cachaças deste ano?
Que ranking é este onde não podemos vislumbrar a evolução de uma determinada marca de cachaça, uma vez que ela some do ranking, cai dezenas de posições ou sobe de forma meteórica de um ano para o outro.
Não estamos tratando de vinhos, onde mais ou menos chuva pode mudar radicalmente as características da bebida de um ano para o outro. Com destilados isto não costuma acontecer, salvo quando tratamos com empresas de fundo de quintal, o que não é o caso aqui.
O que aconteceu com os nossos degustadores?
Este é mais um ranking para acompanhar?

NOSSA POBRE COZINHA

Go Where Gastronomia
Cozinha brasileira
Restaurante Badejo
Moqueca de Badejo com Camarões

Quem pode adivinhar o que será daqui alguns anos a “gastronomia brasileira”?
Tempos atrás o cenário em São Paulo era dividido entre restaurantes italianos, franceses, japoneses, alemães, brasileiros, árabes, internacionais, etc…
Hoje a gente vê chefs amarrados pelas novas tendências. Todo mundo tem que usar técnicas moderníssimas com produtos brasileiros, de preferência, desconhecidos do grande público. Quando são da Amazônia, melhor ainda.
Quem não trabalha com produtos regionais, especialmente se não for estrangeiro, está relegado a um plano inferior.
Se um chef mineiro abre um restaurante italiano muito bom, já que sua formação se deu na Itália, vai ser tratado como um cozinheiro muito bom, sempre inferior ao italiano do Veneto que não cozinha tão bem assim.
Estamos vivendo uma espécie de síndrome de vira lata ao contrário.
Existe coisa menos inovadora que o maravilhoso porco San Zé da Casa do Porco? Por outro lado, este porco grelhado que é o centro do cardápio convive com receitas como um sushi de barriga de porco com tucupi preto.
Este tipo de liberdade é para poucos que se atrevem a abrir um restaurante onde vale tudo e tudo funciona.
Os produtos nacionais exóticos estão disponíveis na mão de pequenos mercadores que mais se assemelham a traficantes. Vendem a preços altos para quem lhes interessa produtos que podem ser encontrados em lojas de Umbanda da cidade.
Aqueles que se arriscam numa cozinha de origem estão passando por momentos difíceis. Restaurantes de cozinha mineira tradicional estão relegados à fama de almoço executivo, onde o que vale é a fartura e a comida “caseira” bem-feitinha.
Restaurantes amazônicos nunca deram certo em São Paulo. Hoje restam poucos que lutam pela sua sobrevivência.
As casas nordestinas são para os nordestinos e são tratadas como restaurantes de gueto.
O Mocotó é a exceção que confirma a regra. Oriundo de uma “Casa do Norte” na zona norte da cidade o chef se preparou na universidade e em restaurantes gastronômicos de São Paulo para implantar a qualidade total na cozinha sertaneja do pai sem perder suas origens do sertão pernambucano. Deu certo e o Mocotó é um dos restaurantes mais prestigiados do país, assim como o seu chef Rodrigo é mundialmente respeitado.
Será que a cozinha de raiz nunca atingirá o status de grande cozinha, ficando relegada ao título de cozinha regional sem graça, pois foi transplantada para São Paulo?
O guia Michelin de Paris não traz o rótulo de restaurante francês em nenhum momento. A cozinha francesa é a comida comum. Especiais são cozinhas, marroquinas, espanholas, japonesas, italianas, etc.
Quando atingiremos este grau de maturidade?
Algum dia uma moqueca deixará de ser só um prato de peixe do Espírito Santo para virar uma iguaria capixaba?
Isto só são algumas perguntas que eu tenho neste momento enquanto a turma só fala em produtos regionais exóticos, pancs, orgânicos, etc.
Está na hora de tratarmos a nossa cozinha regional com o respeito que ela merece, evitando armadilhas como coloca-la no patamar da “alta gastronomia popular”.
Afinal é só comida comum que carrega nossa identidade nacional.

NOSSA POBRE COZINHA

Go Where Gastronomia
Cozinha brasileira
Restaurante Badejo
Moqueca de Badejo com Camarões

Quem pode adivinhar o que será daqui alguns anos a “gastronomia brasileira”?
Tempos atrás o cenário em São Paulo era dividido entre restaurantes italianos, franceses, japoneses, alemães, brasileiros, árabes, internacionais, etc…
Hoje a gente vê chefs amarrados pelas novas tendências. Todo mundo tem que usar técnicas moderníssimas com produtos brasileiros, de preferência, desconhecidos do grande público. Quando são da Amazônia, melhor ainda.
Quem não trabalha com produtos regionais, especialmente se não for estrangeiro, está relegado a um plano inferior.
Se um chef mineiro abre um restaurante italiano muito bom, já que sua formação se deu na Itália, vai ser tratado como um cozinheiro muito bom, sempre inferior ao italiano do Veneto que não cozinha tão bem assim.
Estamos vivendo uma espécie de síndrome de vira lata ao contrário.
Existe coisa menos inovadora que o maravilhoso porco San Zé da Casa do Porco? Por outro lado, este porco grelhado que é o centro do cardápio convive com receitas como um sushi de barriga de porco com tucupi preto.
Este tipo de liberdade é para poucos que se atrevem a abrir um restaurante onde vale tudo e tudo funciona.
Os produtos nacionais exóticos estão disponíveis na mão de pequenos mercadores que mais se assemelham a traficantes. Vendem a preços altos para quem lhes interessa produtos que podem ser encontrados em lojas de Umbanda da cidade.
Aqueles que se arriscam numa cozinha de origem estão passando por momentos difíceis. Restaurantes de cozinha mineira tradicional estão relegados à fama de almoço executivo, onde o que vale é a fartura e a comida “caseira” bem-feitinha.
Restaurantes amazônicos nunca deram certo em São Paulo. Hoje restam poucos que lutam pela sua sobrevivência.
As casas nordestinas são para os nordestinos e são tratadas como restaurantes de gueto.
O Mocotó é a exceção que confirma a regra. Oriundo de uma “Casa do Norte” na zona norte da cidade o chef se preparou na universidade e em restaurantes gastronômicos de São Paulo para implantar a qualidade total na cozinha sertaneja do pai sem perder suas origens do sertão pernambucano. Deu certo e o Mocotó é um dos restaurantes mais prestigiados do país, assim como o seu chef Rodrigo é mundialmente respeitado.
Será que a cozinha de raiz nunca atingirá o status de grande cozinha, ficando relegada ao título de cozinha regional sem graça, pois foi transplantada para São Paulo?
O guia Michelin de Paris não traz o rótulo de restaurante francês em nenhum momento. A cozinha francesa é a comida comum. Especiais são cozinhas, marroquinas, espanholas, japonesas, italianas, etc.
Quando atingiremos este grau de maturidade?
Algum dia uma moqueca deixará de ser só um prato de peixe do Espírito Santo para virar uma iguaria capixaba?
Isto só são algumas perguntas que eu tenho neste momento enquanto a turma só fala em produtos regionais exóticos, pancs, orgânicos, etc.
Está na hora de tratarmos a nossa cozinha regional com o respeito que ela merece, evitando armadilhas como coloca-la no patamar da “alta gastronomia popular”.
Afinal é só comida comum que carrega nossa identidade nacional.

O REI DO AÇOUGUE


O filé mignon, tenro e suculento, é talvez o mais valorizado dos cortes da carne bovina no Brasil e no mundo.
Na Idade Média já era o pedaço preferido da nobreza e do clero. Era servido em ocasiões especiais, visto que só uma pequena parte da população tinha acesso à carne e uma parcela menor ainda à bovina.
Agora já dá para imaginar quantas pessoas tinham o privilégio de comer estes quase 3% do peso boi.
Imagine só o povão que tinha que se virar com legumes, verduras, cogumelos e às vezes com alguma caça. De vez em quando saia um javali, uma galinha ou quem sabe até um peixinho se ali por perto corresse um rio ou se a turma morasse à beira do mar.
A cozinha clássica francesa valoriza muito este pedaço de carne.
Já no séc. XVIII o chef Antonin Carême coroou um generoso pedaço de filé com um belo pedaço de foie gras e o batizou como Tournedos Rossini homenageando o compositor italiano.
A cozinha francesa convive com clássicos como steak tartare, filet au poivre ou filet ao molho mostarda, só para citar uns poucos.

Até o heroi inglês que derrotou Napoleão em Waterloo, o duque de Wellington, ganhou uma homenagem com a versão britânica do filet en croute francês: o bife Wellington, prato tipicamente francês com foie gras e massa folhada.
O filet mignon é tratado como carne chique e cara. Basta reparar no povo que trata tudo de bom e inalcançável como filé. Valendo de mulheres bonitas até para serviços bem executados e automóveis.

Agora a turma da cozinha está conseguindo acabar com o reinado do filé mignon, tanto no preço quanto na quantidade de pratos oferecidos no cardápio. O corte passou a ser tratado como carne sem gosto e caráter.
Já vai longe o tempo que o açogueiro Marcos Bassi vaticinava aos quatro ventos: “Não existe carne de segunda, existe sim, boi de segunda”.

As carnes do churrasco sairam da churrasqueira indo para as cozinhas estreladas na cidade. Comer filé mignon hoje é mais jeca que pedir um acém, corte que anos atrás brilhava nas sopas e picadinhos nas casas do povo mais pobre.
Hoje reinam o contrafilé sob os nomes de bife ancho ou bife de chorizo e até a picanha entra nos pratos com delicados cozimentos.

O maior problema é quando o freguês resolve pedir um pedaço destes cortes bem passado.
Não há quem consiga mastigar uma picanha bem passada, por exemplo. Mas a pose permanece.

Agora o de primeira é comer carne de segunda e ser de segunda é comer carne de primeira.