Cozinha brasileira
Restaurante Badejo
Moqueca de Badejo com Camarões
Quem pode adivinhar o que será daqui alguns anos a “gastronomia brasileira”?
Tempos atrás o cenário em São Paulo era dividido entre restaurantes italianos, franceses, japoneses, alemães, brasileiros, árabes, internacionais, etc…
Hoje a gente vê chefs amarrados pelas novas tendências. Todo mundo tem que usar técnicas moderníssimas com produtos brasileiros, de preferência, desconhecidos do grande público. Quando são da Amazônia, melhor ainda.
Quem não trabalha com produtos regionais, especialmente se não for estrangeiro, está relegado a um plano inferior.
Se um chef mineiro abre um restaurante italiano muito bom, já que sua formação se deu na Itália, vai ser tratado como um cozinheiro muito bom, sempre inferior ao italiano do Veneto que não cozinha tão bem assim.
Estamos vivendo uma espécie de síndrome de vira lata ao contrário.
Existe coisa menos inovadora que o maravilhoso porco San Zé da Casa do Porco? Por outro lado, este porco grelhado que é o centro do cardápio convive com receitas como um sushi de barriga de porco com tucupi preto.
Este tipo de liberdade é para poucos que se atrevem a abrir um restaurante onde vale tudo e tudo funciona.
Os produtos nacionais exóticos estão disponíveis na mão de pequenos mercadores que mais se assemelham a traficantes. Vendem a preços altos para quem lhes interessa produtos que podem ser encontrados em lojas de Umbanda da cidade.
Aqueles que se arriscam numa cozinha de origem estão passando por momentos difíceis. Restaurantes de cozinha mineira tradicional estão relegados à fama de almoço executivo, onde o que vale é a fartura e a comida “caseira” bem-feitinha.
Restaurantes amazônicos nunca deram certo em São Paulo. Hoje restam poucos que lutam pela sua sobrevivência.
As casas nordestinas são para os nordestinos e são tratadas como restaurantes de gueto.
O Mocotó é a exceção que confirma a regra. Oriundo de uma “Casa do Norte” na zona norte da cidade o chef se preparou na universidade e em restaurantes gastronômicos de São Paulo para implantar a qualidade total na cozinha sertaneja do pai sem perder suas origens do sertão pernambucano. Deu certo e o Mocotó é um dos restaurantes mais prestigiados do país, assim como o seu chef Rodrigo é mundialmente respeitado.
Será que a cozinha de raiz nunca atingirá o status de grande cozinha, ficando relegada ao título de cozinha regional sem graça, pois foi transplantada para São Paulo?
O guia Michelin de Paris não traz o rótulo de restaurante francês em nenhum momento. A cozinha francesa é a comida comum. Especiais são cozinhas, marroquinas, espanholas, japonesas, italianas, etc.
Quando atingiremos este grau de maturidade?
Algum dia uma moqueca deixará de ser só um prato de peixe do Espírito Santo para virar uma iguaria capixaba?
Isto só são algumas perguntas que eu tenho neste momento enquanto a turma só fala em produtos regionais exóticos, pancs, orgânicos, etc.
Está na hora de tratarmos a nossa cozinha regional com o respeito que ela merece, evitando armadilhas como coloca-la no patamar da “alta gastronomia popular”.
Afinal é só comida comum que carrega nossa identidade nacional.
A cozinha e os Chefs
Quem são nossos ídolos?
Faz poucas semanas que o chef Francês Laurent Suadeau recebeu a Ordem da Legião da Honra do governo francês por serviços prestados à cultura francesa.
Fui procurar quem são os cozinheiros estrangeiros que gozam de alguma notoriedade hoje. Só encontrei aqueles que estão na TV como Erick Jacquin, Paula Carossela e Olivier Anquier.
O que mudou?
Há algum tempo nossos heróis da gastronomia eram todos estrangeiros: Emmanuel Bassoleil, Luigi Tartari, o próprio Laurent, Luciano Bosseguia, Chistophe Besse, Claude Troisgros e Francesco Carli no Rio, só para citar alguns. Nos doces, reinava o confeiteiro Fabrice Lenud. A exceção era o baiano Léo Filho, pupilo de Roger Verger, e chef do conceituado Maksoud Plaza. Enquanto isso, Alex Atala começa sua bem-sucedida carreira em um Sushi bar.
Hoje ninguém mais dá bola para esta gente, embora estejam todos por aí trabalhando muito bem, pois estamos falando de alguns entre os melhores profissionais do país.
Quem são os nossos heróis da Cozinha hoje?
Para ser bacana nos dias atuais, o profissional precisa ser brasileiro e trabalhar com a comida local. Passamos de uma situação onde o cozinheiro só se destacava se fosse estrangeiro e usasse iguarias caras e importadas para o lado oposto.
Agora, se um chef de cozinha trabalha só com refinados ingredientes da culinária cozinha europeia, é colocado em segundo plano, não importando a qualidade da sua cozinha ou sua origem.
Os produtos exóticos da mata atlântica ou da Amazônia estão em alta, os ingredientes banais e baratos, encontrados em qualquer casa da cidade, ganharam status de iguaria. O chuchu, o jiló e o quiabo estão foram elevados à categoria de ingredientes gourmet. O palmito, antes tão valorizado virou só palmito, mais nada. Até a taioba foi elevada a iguaria das iguaria, sem nenhuma razão, aliás. Afinal é só taioba.
Hoje, Alex Atala, a grande estrela da gastronomia brasileira, traz suas formigas da Amazônia a milhares de quilômetros de seu restaurante, como uma novidade. Esquece que a menos de 200 quilômetros a turma de Taubaté sempre comeu formiga, mas esta só é uma manifestação caipira sem o charme da Amazônia.
Rodrigo Oliveira colocou toda a sua expertise adquirida na faculdade de gastronomia e estágios com grandes cozinheiros a serviço do restaurante da família, na verdade uma casa do Norte. A modernização dos processos levou o pequeno restaurante em uma área afastada do centro da cidade de São Paulo à notoriedade, pois ali se serve uma das melhores comidas sertanejas do país.
Jefferson Rueda baseou seu novo restaurante em um churrasco de porco comum no interior, mas pratica, no geral, uma culinária sem vínculos nacionais, uma cozinha livre nem brasileira, japonesa ou italiana. Ele oferece todas estas cozinhas e, ao mesmo tempo, nenhuma delas. È um lugar difícil de classificar. É um restaurante de comida muito boa que consegue a admiração de todos.
Afora estes poucos chefs citados existe uma grande quantidade de cozinheiros praticando uma cozinha espanholada com ingredientes brasileiros ou uma pretensa cozinha de ingredientes puramente nacionais. Os restaurantes de cozinha mineira, outrora tão numerosos estão jogados no limbo da cozinha brasileira. Ninguém dá mais bola para um franguinho com quiabo ou uma couve com feijão. Isto não é suficientemente exótico para ser tratado como gourmet.
Então parece que hoje estamos em uma época de poucos ídolos de verdade e muitos mitos vazios.
Que saudades de quando os nossos ídolos eram cozinheiros experientes que sabiam o que estavam fazendo, não seguindo moda.
